Cranioestenose
O crânio não é formado por um osso único como se fosse um capacete,
mas por “placas” ósseas que são unidas entre si por linhas chamadas
suturas. As suturas cranianas estão presentes para ajudar na modelagem
da cabeça durante o parto e também na modelagem da cabeça em
crescimento. Elas funcionam como áreas de expansão que permitem que o
cérebro possa crescer dentro da calota craniana. As suturas normalmente
se fundem após o término do crescimento do crânio, no entanto, em alguns
casos elas se fundem antes do nascimento, provocando alterações na
forma da cabeça.
As cranioestenoses ou craniossinostoses são caracterizadas pela fusão
prematura de uma ou mais suturas cranianas, tendo como consequência uma
deformação do crânio e podem ser responsáveis por um conflito de
crescimento entre o crânio e o encéfalo, que resulta por vezes em uma
hipertensão intracraniana crônica. Esse conflito pode deixar sequelas,
notadamente visuais e mentais.
As principais suturas cranianas são: a sutura sagital, as suturas coronais, a sutura metópica e as suturas lambdóides.
O mecanismo que causa a fusão prematura de uma sutura craniana é pouco conhecido. Existe, no entanto, uma hipótese relacionada à constrição da cabeça fetal dentro do útero. Essa constrição pode estar associada a uma posição inadequada do bebê no útero, que prejudicaria a movimentação de sua cabeça levando a uma pressão continuada sobre o crânio. A pressão externa contínua sobre o crânio, por sua vez, restringiria a capacidade das suturas cranianas de se expandirem com o crescimento do cérebro. Quando uma sutura não é capaz de expandir, ela acaba se fundindo precocemente. Fala a favor dessa hipótese o fato de haver uma maior incidência de cranioestenoses em pacientes gêmeos.
Outra razão para o desenvolvimento de uma cranioestenose está
relacionada a alterações nos genes da criança. Fala a favor de um
componente genético o fato de existirem cerca de 8% de formas familiares
de cranioestenoses, com alguns cromossomos específicos relacionados. No
entanto, cabe ressaltar que a grande maioria dos casos de
cranioestenose com acometimento de uma única sutura ocorre de forma
esporádica.
Diagnosticando uma cranioestenose
O diagnóstico de uma cranioestenose, na grande maioria dos casos,
pode ser feito com o exame clínico do bebê, com a simples observação da
morfologia craniofacial. Geralmente, quando uma única sutura se fecha,
ocorre uma diminuição do crescimento na área da sutura acometida, com um
crescimento compensatório nas áreas das outras suturas. Esse
crescimento compensatório das demais suturas produz as formas
características dos crânios que observamos nos pacientes com
cranioestenoses.
A confirmação da suspeita clínica pode ser feita com a solicitação de
radiografias simples do crânio, que vão mostrar a área da sutura
fechada. Outro exame de imagem que pode ser solicitado é a tomografia
computadorizada do crânio. Trata-se do melhor exame para confirmar se
uma sutura está aberta ou fechada. A tomografia permite uma excelente
análise das modificações da base do crânio e das órbitas, principalmente
nos raros casos em que o exame físico apresenta alterações muito sutis
ou ainda quando há suspeita de fechamento de mais de uma sutura.
Existe muita controvérsia em relação às consequências que o
fechamento precoce de uma única sutura craniana pode causar. Alguns
estudos mostram uma taxa mais alta de alterações de desenvolvimento e
comportamento em crianças com cranioestenoses, no entanto os métodos de
avaliação são questionáveis, principalmente pela dificuldade de se
avaliar a inteligência em crianças muito novas.
O que diversos estudos já comprovaram é que ocorre um aumento da
pressão intracraniana em um percentual variável de crianças com
cranioestenoses não operadas. Na medida em que é devida a um conflito de
crescimento entre o encéfalo e o crânio, a hipertensão intracraniana
nas cranioestenoses é crônica e raramente atinge valores muito elevados,
a menos que uma doença intercorrente venha a lhe agravar (traumatismo
craniano, doença infecciosa, etc). Ela quase nunca representa uma ameaça
a vida. Da mesma forma, as suas manifestações clínicas são raramente
completas, frequentemente reduzidas às cefaléias ou ainda completamente
ausentes.
A avaliação da hipertensão intracraniana é geralmente feita através
de medidas indiretas, como o exame de fundo de olho, que pode mostrar
sofrimento do nervo óptico, e as radiografias de crânio, que podem
mostrar impressões digitiformes (impressões das circunvolunções
cerebrais, ou seja, do relevo do cérebro) sobre o crânio. No entanto, a
normalidade do fundo de olho não permite excluir uma hipertensão
intracraniana, que pode ser apenas reconhecida realizando um registro de
pressão com a ajuda de um sensor extradural colocado ao nível da calota
craniana.
A hipertensão intracraniana é mais frequente quando há maior número
de suturas acometidas. Além disso, sua frequência aumenta com a idade:
na maior parte das cranioestenoses, a hipertensão intracraniana é duas
vezes mais frequente após um ano de vida.
É preciso notar que as correlações entre hipertensão intracraniana
medida por registro, exame de fundo de olho e radiografias do crânio são
muito ruins. Entre as crianças com uma hipertensão intracraniana
comprovada, mais de 2/3 têm um fundo de olho normal e cerca de 1/3 não
apresentam impressões digitiformes.
Acometimento visual
A diminuição da acuidade visual é consequência do sofrimento do nervo
óptico devido à hipertensão intracraniana. A sua frequência real não é
bem conhecida porque a acuidade visual é difícil de ser avaliada em
crianças pequenas. Para compensar, o edema papilar e a atrofia óptica
são pesquisados sistematicamente e sua frequência pode ser determinada.
Pode-se observar que a sua frequência é comparável à da hipertensão
intracraniana, sendo mais comum nas cranioestenoses múltiplas. Da mesma
forma, a frequência de acometimento papilar aumenta consideravelmente
após um ano de idade.
Acometimento intelectual
O estudo sistemático das perfomances intelectuais de crianças
acometidas por cranioestenoses mostra que, como para a hipertensão
intracraniana e o acometimento papilar, as formas afetando múltiplas
suturas apresentam um acometimento intelectual maior que as outras.
Assim, as braquicefalias, as formas complexas e as formas sindrômicas
são deste ponto de vista particularmente graves.
Por outro lado, e paralelamente a evolução da pressão intracraniana,
deve ser enfatizado que a frequência do acometimento mental aumenta com a
idade, em quase todos os tipos de cranioestenoses. Esse acometimento é
muitas vezes observado através de pequenos atrasos de desenvolvimento e
aprendizado, observados pelos próprios pais, em comparação com crianças
da mesma idade.
Existe muita controvérsia em relação ao tratamento cirúrgico das
cranioestenoses. Há uma discussão entre a necessidade ou não de
cirurgia, a idade ideal para se operar e qual a melhor técnica
operatória. Poucos centros especializados consideram que não há
necessidade de se operar as cranioestenoses com acometimento de sutura
única. Seus argumentos se baseiam no fato das demais suturas estarem
abertas e propiciarem um crescimento compensatório do cérebro. No
entanto, quando se levam em consideração os estudos relativos ao
crescimento cerebral e desenvolvimento cognitivo, aumento de pressão
intracraniana e fluxo sanguíneo cerebral, o pensamento atual é que a
maioria das crianças vai precisar de tratamento cirúrgico. Embora o
crescimento do cérebro possa efetivamente ocorrer através das áreas das
demais suturas, o fluxo sanguíneo cerebral encontra-se diminuído na área
adjacente à sutura comprometida. O quanto esse fluxo diminuído vai
acarretar em déficit cognitivo é ainda difícil de se determinar por se
tratarem de pacientes muito jovens, cuja avaliação neurológica é
naturalmente mais complicada.
Existe risco de sequelas na cirurgia?
É importante esclarecer que a cirurgia não vai criar uma nova sutura
funcionante. Uma vez que a sutura se encontra fechada, um novo centro de
crescimento ósseo não pode ser criado. A cirurgia, no entanto,
restabelece a forma e o tamanho adequado do crânio, o que provavelmente
levará ao restabelecimento do fluxo sanguíneo cerebral.
Além de toda essa questão funcional, as crianças que não são operadas
de cranioestenoses vão apresentar deformidades cranianas de gravidade
variável e a sua aparência pode ter um efeito profundo no
desenvolvimento de sua personalidade, no seu desejo de interagir
socialmente com seus semelhantes e até mesmo no seu desejo de ir para a
escola.
Apenas quando o crânio está levemente envolvido, parece ser menos
provável que apresente impacto significativo sobre o cérebro e sobre a
aparência. Nesses casos específicos, a cirurgia pode não ser indicada.
A cirurgia se baseia em remodelamento craniano sem acesso ao cérebro
propriamente. Portanto, os riscos são pequenos. No entanto, ela é
considerada de grande porte em bebês muito pequenos. Por isso, deve-se
cuidar de possíveis perdas sanguíneas com transfusão de sangue e
realizar a cirurgia em centros grandes, com UTI pediátrica.
O tratamento cirúrgico é apenas estético?

O que é deformidade craniana posicional? Qual o tratamento nesse caso?

Classificação das cranioestenoses conforme a sutura acometida
ESCAFOCEFALIA – SUTURA SAGITAL
A escafocefalia, também chamada de dolicocefalia ou clinocefalia,
corresponde a uma fusão prematura da sutura sagital. Essa sutura
atravessa ântero-posteriormente o crânio, se iniciando na fontanela
(“moleira”) anterior, ou bregma. Em alguns casos, a “moleira” estará
fechada quando essa sutura for acometida. É a cranioestenose mais
frequente com uma incidência em torno de 1 em cada 2000 nascidos vivos e
com uma prevalência maior no gênero masculino (em uma proporção
aproximada de 3,5:1). O crânio é exageradamente alongado no sentido
antêro-posterior e a região parietal é retraída transversalmente. No
perfil, a parte posterior do crânio se encontra mais baixa que a
anterior, ao contrário de uma criança normal.
TRIGONOCEFALIA – SUTURA METÓPICA
A trigonocefalia corresponde ao fechamento precoce da sutura
metópica. A fronte é estreita, marcada por uma crista mediana e apontada
anteriormente como a proa de um barco, levando a uma forma triangular
ou em quilha característica da fronte. As bossas frontais são apagadas.
Está associado comumente um hipotelorismo (aproximação das órbitas) e um
estreitamento de toda a face. É mais comum no gênero masculino (2,5:1) e
sua incidência ocorre entre 1 para 2.500 e 1 para 3.500 nascimentos.
Existe uma correlação entre trigonocefalia e o uso de ácido valpróico
durante a gestação. É a cranioestenose de sutura única mais comumente
associada a anomalias cromossomiais e estudos de ressonância magnética
mostram diminuição do fluxo sanguíneo cerebral na área frontal, o que
pode ser relacionado aos atrasos de aprendizado comumente vistos nos
pacientes portadores dessa cranioestenose.
PLAGIOCEFALIA – SUTURA CORONAL UNILATERAL
A plagiocefalia é a cranioestenose que corresponde ao fechamento
precoce da sutura coronal unilateral. É caracterizada por uma assimetria
do crânio e da face, apresentando uma ascensão da órbita no lado
acometido, com deslocamento do nariz e um abaulamento frontal
contralateral à sutura comprometida. A assimetria orbitária é a
característica clínica mais marcante e o diagnóstico pode ser feito
olhando-se a criança de cima e se observando a ascensão de uma órbita.
No exame radiográfico, essa alteração é conhecida como “olho de
arlequim”. A plagiocefalia tem uma incidência aproximada de 1:3500
nascidos vivos, sendo mais frequente no sexo feminino, numa proporção de
2:1. Raramente, crianças com uma sutura coronal fusionada podem
apresentar uma mutação gênica que pode significar uma condição chamada
de Síndrome de Muenke.
BRAQUICEFALIA – SUTURA CORONAL BILATERAL
A braquicefallia corresponde ao fechamento de ambas as suturas
coronais, levando a um recuo frontal bilateral, predominando na parte
supra-orbital. Em geral, o crânio é retraído anterior e posteriormente,
levando a uma fronte curta com dorso nasal baixo e região occipital
aplainada, e alargado transversalmente. Esse alargamento transverso pode
levar a um afastamento das órbitas, chamado de hiperteleorbitismo. A
sua incidência é ligeiramente maior no gênero feminino (1,7:1).
O acometimento da sutura coronal bilateralmente é muito comum nos
casos de cranioestenoses sindrômicas, ou craniofacioestenoses, nos quais
ocorre também um comprometimento da face com ou sem alteração de
extremidades (mãos e pés).
PLAGIOCEFALIA POSTERIOR – SUTURA LAMBDÓIDE
São cranioestenoses muito raras, que ocorrem pelo fechamento da
sutura lambdóide unilateral. Ocorre um achatamento do lado da sutura
acometida, levando à formação de uma bossa frontal contralateral
compensatória. Geralmente se observa um deslocamento posterior da orelha
no lado acometido. Sua incidência é desconhecida, mas estima-se que
seja inferior a 1:50.000 nascidos vivos. Trata-se, portanto, de uma
cranioestenose extremamente rara.
Apesar de ser infrequente, a importância do seu diagnóstico reside,
principalmente, no fato de fazer diagnóstico diferencial com a
plagiocefalia posicional ou deformante, uma causa muito comum de
deformidade craniana, geralmente associada a uma posição viciosa do bebê
no leito e que será discutida em outro tópico.
Favor citar a fonte original do texto, que possui direitos autorais, e foi produzido pela Dra Clarice Abreu, Cirurgiã Plástica e Craniomaxilofacial no Rio de Janeiro: http://www.clariceabreu.com.br/?cirurgia-cmf=craniostenoses-ou-craniossinostoses
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