quinta-feira, 30 de abril de 2015

 


Cranioestenose

 

 

 

O crânio não é formado por um osso único como se fosse um capacete, mas por “placas” ósseas que são unidas entre si por linhas chamadas suturas. As suturas cranianas estão presentes para ajudar na modelagem da cabeça durante o parto e também na modelagem da cabeça em crescimento. Elas funcionam como áreas de expansão que permitem que o cérebro possa crescer dentro da calota craniana. As suturas normalmente se fundem após o término do crescimento do crânio, no entanto, em alguns casos elas se fundem antes do nascimento, provocando alterações na forma da cabeça.
As cranioestenoses ou craniossinostoses são caracterizadas pela fusão prematura de uma ou mais suturas cranianas, tendo como consequência uma deformação do crânio e podem ser responsáveis por um conflito de crescimento entre o crânio e o encéfalo, que resulta por vezes em uma hipertensão intracraniana crônica. Esse conflito pode deixar sequelas, notadamente visuais e mentais.
As principais suturas cranianas são: a sutura sagital, as suturas coronais, a sutura metópica e as suturas lambdóides.

 O mecanismo que causa a fusão prematura de uma sutura craniana é pouco conhecido. Existe, no entanto, uma hipótese relacionada à constrição da cabeça fetal dentro do útero. Essa constrição pode estar associada a uma posição inadequada do bebê no útero, que prejudicaria a movimentação de sua cabeça levando a uma pressão continuada sobre o crânio. A pressão externa contínua sobre o crânio, por sua vez, restringiria a capacidade das suturas cranianas de se expandirem com o crescimento do cérebro. Quando uma sutura não é capaz de expandir, ela acaba se fundindo precocemente. Fala a favor dessa hipótese o fato de haver uma maior incidência de cranioestenoses em pacientes gêmeos.

Outra razão para o desenvolvimento de uma cranioestenose está relacionada a alterações nos genes da criança. Fala a favor de um componente genético o fato de existirem cerca de 8% de formas familiares de cranioestenoses, com alguns cromossomos específicos relacionados. No entanto, cabe ressaltar que a grande maioria dos casos de cranioestenose com acometimento de uma única sutura ocorre de forma esporádica.

 Diagnosticando uma cranioestenose

O diagnóstico de uma cranioestenose, na grande maioria dos casos, pode ser feito com o exame clínico do bebê, com a simples observação da morfologia craniofacial. Geralmente, quando uma única sutura se fecha, ocorre uma diminuição do crescimento na área da sutura acometida, com um crescimento compensatório nas áreas das outras suturas. Esse crescimento compensatório das demais suturas produz as formas características dos crânios que observamos nos pacientes com cranioestenoses.
A confirmação da suspeita clínica pode ser feita com a solicitação de radiografias simples do crânio, que vão mostrar a área da sutura fechada. Outro exame de imagem que pode ser solicitado é a tomografia computadorizada do crânio. Trata-se do melhor exame para confirmar se uma sutura está aberta ou fechada. A tomografia permite uma excelente análise das modificações da base do crânio e das órbitas, principalmente nos raros casos em que o exame físico apresenta alterações muito sutis ou ainda quando há suspeita de fechamento de mais de uma sutura.


Problemas relacionados à fusão prematura de uma sutura craniana

Existe muita controvérsia em relação às consequências que o fechamento precoce de uma única sutura craniana pode causar. Alguns estudos mostram uma taxa mais alta de alterações de desenvolvimento e comportamento em crianças com cranioestenoses, no entanto os métodos de avaliação são questionáveis, principalmente pela dificuldade de se avaliar a inteligência em crianças muito novas.
O que diversos estudos já comprovaram é que ocorre um aumento da pressão intracraniana em um percentual variável de crianças com cranioestenoses não operadas. Na medida em que é devida a um conflito de crescimento entre o encéfalo e o crânio, a hipertensão intracraniana nas cranioestenoses é crônica e raramente atinge valores muito elevados, a menos que uma doença intercorrente venha a lhe agravar (traumatismo craniano, doença infecciosa, etc). Ela quase nunca representa uma ameaça a vida. Da mesma forma, as suas manifestações clínicas são raramente completas, frequentemente reduzidas às cefaléias ou ainda completamente ausentes.
A avaliação da hipertensão intracraniana é geralmente feita através de medidas indiretas, como o exame de fundo de olho, que pode mostrar sofrimento do nervo óptico, e as radiografias de crânio, que podem mostrar impressões digitiformes (impressões das circunvolunções cerebrais, ou seja, do relevo do cérebro) sobre o crânio. No entanto, a normalidade do fundo de olho não permite excluir uma hipertensão intracraniana, que pode ser apenas reconhecida realizando um registro de pressão com a ajuda de um sensor extradural colocado ao nível da calota craniana.
A hipertensão intracraniana é mais frequente quando há maior número de suturas acometidas. Além disso, sua frequência aumenta com a idade: na maior parte das cranioestenoses, a hipertensão intracraniana é duas vezes mais frequente após um ano de vida.
É preciso notar que as correlações entre hipertensão intracraniana medida por registro, exame de fundo de olho e radiografias do crânio são muito ruins. Entre as crianças com uma hipertensão intracraniana comprovada, mais de 2/3 têm um fundo de olho normal e cerca de 1/3 não apresentam impressões digitiformes.


Acometimento visual

A diminuição da acuidade visual é consequência do sofrimento do nervo óptico devido à hipertensão intracraniana. A sua frequência real não é bem conhecida porque a acuidade visual é difícil de ser avaliada em crianças pequenas. Para compensar, o edema papilar e a atrofia óptica são pesquisados sistematicamente e sua frequência pode ser determinada. Pode-se observar que a sua frequência é comparável à da hipertensão intracraniana, sendo mais comum nas cranioestenoses múltiplas. Da mesma forma, a frequência de acometimento papilar aumenta consideravelmente após um ano de idade.


Acometimento intelectual

O estudo sistemático das perfomances intelectuais de crianças acometidas por cranioestenoses mostra que, como para a hipertensão intracraniana e o acometimento papilar, as formas afetando múltiplas suturas apresentam um acometimento intelectual maior que as outras. Assim, as braquicefalias, as formas complexas e as formas sindrômicas são deste ponto de vista particularmente graves.
Por outro lado, e paralelamente a evolução da pressão intracraniana, deve ser enfatizado que a frequência do acometimento mental aumenta com a idade, em quase todos os tipos de cranioestenoses. Esse acometimento é muitas vezes observado através de pequenos atrasos de desenvolvimento e aprendizado, observados pelos próprios pais, em comparação com crianças da mesma idade.

 Há necessidade de se operar uma cranioestenose?

 Existe muita controvérsia em relação ao tratamento cirúrgico das cranioestenoses. Há uma discussão entre a necessidade ou não de cirurgia, a idade ideal para se operar e qual a melhor técnica operatória. Poucos centros especializados consideram que não há necessidade de se operar as cranioestenoses com acometimento de sutura única. Seus argumentos se baseiam no fato das demais suturas estarem abertas e propiciarem um crescimento compensatório do cérebro. No entanto, quando se levam em consideração os estudos relativos ao crescimento cerebral e desenvolvimento cognitivo, aumento de pressão intracraniana e fluxo sanguíneo cerebral, o pensamento atual é que a maioria das crianças vai precisar de tratamento cirúrgico. Embora o crescimento do cérebro possa efetivamente ocorrer através das áreas das demais suturas, o fluxo sanguíneo cerebral encontra-se diminuído na área adjacente à sutura comprometida. O quanto esse fluxo diminuído vai acarretar em déficit cognitivo é ainda difícil de se determinar por se tratarem de pacientes muito jovens, cuja avaliação neurológica é naturalmente mais complicada.

Existe risco de sequelas na cirurgia?

 É importante esclarecer que a cirurgia não vai criar uma nova sutura funcionante. Uma vez que a sutura se encontra fechada, um novo centro de crescimento ósseo não pode ser criado. A cirurgia, no entanto, restabelece a forma e o tamanho adequado do crânio, o que provavelmente levará ao restabelecimento do fluxo sanguíneo cerebral.
Além de toda essa questão funcional, as crianças que não são operadas de cranioestenoses vão apresentar deformidades cranianas de gravidade variável e a sua aparência pode ter um efeito profundo no desenvolvimento de sua personalidade, no seu desejo de interagir socialmente com seus semelhantes e até mesmo no seu desejo de ir para a escola.
Apenas quando o crânio está levemente envolvido, parece ser menos provável que apresente impacto significativo sobre o cérebro e sobre a aparência. Nesses casos específicos, a cirurgia pode não ser indicada.
A cirurgia se baseia em remodelamento craniano sem acesso ao cérebro propriamente. Portanto, os riscos são pequenos. No entanto, ela é considerada de grande porte em bebês muito pequenos. Por isso, deve-se cuidar de possíveis perdas sanguíneas com transfusão de sangue e realizar a cirurgia em centros grandes, com UTI pediátrica.
O tratamento cirúrgico é apenas estético?
Essa é uma pergunta muito comum quando se indica uma cirurgia de cranioestenose. Obviamente o tratamento cirúrgico promove um remodelamento ósseo, com melhora do aspecto estético. Há de se entender que a estética na criança tem valor funcional, pois evita que ela receba apelidos na escola ou sinta-se estigmatizada por ter uma forma diferente da cabeça, o que pode modificar definitivamente a vida dela. Trabalhos mostram que o tratamento cirúrgico também evita a hipertensão intracraniana, que pode ocorrer em alguns casos e dificultar o bom desenvolvimento neuropsicomotor da criança.

O que é deformidade craniana posicional? Qual o tratamento nesse caso?
A postura viciosa no berço da criança pode ocasionar achatamento do osso no local de apoio, gerando uma deformidade posicional. É possível diferenciá-la clinicamente dos casos de cranioestenose, mas a tomografia 3D pode dar o diagnóstico. Esses casos não são cirúrgicos e o tratamento é a mudança de posição no berço ou o uso de órteses (capacetes), que auxiliam o tratamento e aceleram o remodelamento ósseo. Os casos mais comuns são chamados de plagiocefalias posicionais posteriores.



Classificação das cranioestenoses conforme a sutura acometida


ESCAFOCEFALIA – SUTURA SAGITAL


A escafocefalia, também chamada de dolicocefalia ou clinocefalia, corresponde a uma fusão prematura da sutura sagital. Essa sutura atravessa ântero-posteriormente o crânio, se iniciando na fontanela (“moleira”) anterior, ou bregma. Em alguns casos, a “moleira” estará fechada quando essa sutura for acometida. É a cranioestenose mais frequente com uma incidência em torno de 1 em cada 2000 nascidos vivos e com uma prevalência maior no gênero masculino (em uma proporção aproximada de 3,5:1). O crânio é exageradamente alongado no sentido antêro-posterior e a região parietal é retraída transversalmente. No perfil, a parte posterior do crânio se encontra mais baixa que a anterior, ao contrário de uma criança normal.

 


 TRIGONOCEFALIA – SUTURA METÓPICA

A trigonocefalia corresponde ao fechamento precoce da sutura metópica. A fronte é estreita, marcada por uma crista mediana e apontada anteriormente como a proa de um barco, levando a uma forma triangular ou em quilha característica da fronte. As bossas frontais são apagadas. Está associado comumente um hipotelorismo (aproximação das órbitas) e um estreitamento de toda a face. É mais comum no gênero masculino (2,5:1) e sua incidência ocorre entre 1 para 2.500 e 1 para 3.500 nascimentos. Existe uma correlação entre trigonocefalia e o uso de ácido valpróico durante a gestação. É a cranioestenose de sutura única mais comumente associada a anomalias cromossomiais e estudos de ressonância magnética mostram diminuição do fluxo sanguíneo cerebral na área frontal, o que pode ser relacionado aos atrasos de aprendizado comumente vistos nos pacientes portadores dessa cranioestenose.



 PLAGIOCEFALIA – SUTURA CORONAL UNILATERAL 
 
A plagiocefalia é a cranioestenose que corresponde ao fechamento precoce da sutura coronal unilateral. É caracterizada por uma assimetria do crânio e da face, apresentando uma ascensão da órbita no lado acometido, com deslocamento do nariz e um abaulamento frontal contralateral à sutura comprometida. A assimetria orbitária é a característica clínica mais marcante e o diagnóstico pode ser feito olhando-se a criança de cima e se observando a ascensão de uma órbita. No exame radiográfico, essa alteração é conhecida como “olho de arlequim”. A plagiocefalia tem uma incidência aproximada de 1:3500 nascidos vivos, sendo mais frequente no sexo feminino, numa proporção de 2:1. Raramente, crianças com uma sutura coronal fusionada podem apresentar uma mutação gênica que pode significar uma condição chamada de Síndrome de Muenke.


 BRAQUICEFALIA – SUTURA CORONAL BILATERAL
 
A braquicefallia corresponde ao fechamento de ambas as suturas coronais, levando a um recuo frontal bilateral, predominando na parte supra-orbital. Em geral, o crânio é retraído anterior e posteriormente, levando a uma fronte curta com dorso nasal baixo e região occipital aplainada, e alargado transversalmente. Esse alargamento transverso pode levar a um afastamento das órbitas, chamado de hiperteleorbitismo. A sua incidência é ligeiramente maior no gênero feminino (1,7:1).
O acometimento da sutura coronal bilateralmente é muito comum nos casos de cranioestenoses sindrômicas, ou craniofacioestenoses, nos quais ocorre também um comprometimento da face com ou sem alteração de extremidades (mãos e pés).

 PLAGIOCEFALIA POSTERIOR – SUTURA LAMBDÓIDE
 
São cranioestenoses muito raras, que ocorrem pelo fechamento da sutura lambdóide unilateral. Ocorre um achatamento do lado da sutura acometida, levando à formação de uma bossa frontal contralateral compensatória. Geralmente se observa um deslocamento posterior da orelha no lado acometido. Sua incidência é desconhecida, mas estima-se que seja inferior a 1:50.000 nascidos vivos. Trata-se, portanto, de uma cranioestenose extremamente rara.
Apesar de ser infrequente, a importância do seu diagnóstico reside, principalmente, no fato de fazer diagnóstico diferencial com a plagiocefalia posicional ou deformante, uma causa muito comum de deformidade craniana, geralmente associada a uma posição viciosa do bebê no leito e que será discutida em outro tópico.